Depois de uma semana de trabalho duro e preso a um corpo ansioso por natureza, a única coisa que a gente quer ao pegar um ônibus (yes, I´m a working class bloke) é chegar logo em casa e relaxar. Eu normalmente fico alienado, ouvindo meu MP3 e observando o movimento, mas na última sexta eu tinha esquecido ele em casa e diante da demora do 127, acabei pegando mesmo o 175.
Me sentei na primeira cadeira, logo atrás do motorista, um desses lugares que parece estar permanentemente vazio devido à configuração bizarra (nesse caso estreita) dos veículos que compõem o nosso "moderno" sistema de transporte urbano.
Ali estava eu, sem MP3, algo entediado, e eis que escuto o seguinte diálogo atrás de mim:
- Oi, sou eu!
- Estou com saudades de você, o que você vai fazer hoje à noite? Queria te ver.
- Tô carente, tô precisando de colo, deixa eu te ver, deixa?
Meu Deus do céu! O que que é isso? Pensei. Quem será essa pessoa que de forma nada tímida, em alto e bom som, confessa suas necessidades emocionais mais básicas, de forma tão contundente, num ônibus lotado?
A voz era de mulher, era direta mas era doce, calculei uns 20 e poucos anos, tentei imaginar um rosto para ela mas não consegui, fui interrompido pelo diálogo que continuava.
- Por que não?
- Mas eu preciso te ver...por favor...
Ah malvado (ou malvada - sinal dos tempos)! Pensei mais uma vez, que tipo de coração terá uma pessoa assim para refutar tal convite? Como é possível que uma pessoa receba uma ligação nesses termos e tenha coragem de dizer não? Com que direito!?
E aí caro leitor um momento de reflexão, apenas pense, rapidamente, na quantidade de ligações desse estilo que você recebeu ao longo dos últimos anos. Eu não sei vocês mas as minhas dão para contar nos dedos de uma mão pequena, enfim, quero dizer, situações assim merecem ou deveriam ser valorizadas.
- Olha, eu não vou demorar muito, eu só queria te ver por um minuto...
- Poder te tocar...
A voz suplicava, parecia embargar, diminuia, quase um fio de voz.
O homem de azul tem andado meio sensível ultimamente (esse caráter latino é uma merda) e eu estava entre começar a chorar e virar para trás e oferecer colo e tudo mais o que ela necessitasse: cafuné, chá com torradas e talvez até suór e copinhos de água mineral; mas eis que fez-se silêncio.
Aguardei, 10, 20, 30 segundos, nada! O ônibus ia chegando ao fim do Aterro do Flamengo e percebi que ela se levantava, hesitei em virar a cabeça e descobrir esse personagem que durante aproximadamente 10 minutos havia tomado a minha atenção de forma inesperada, mas não, a imagem na minha cabeça era muito mais sedutora e eu resisti ir ao encontro da realidade. Quem sabe fosse uma anciã com voz de ninfeta, quem sabe fosse desprovida de beleza, quem sabe fosse apenas uma mulher comum? Não importa, o que importa mesmo é que me cativou durante breves 10 minutos e, além do mais, mulher é sempre bom...até sem face.
Um mar de flores em memória
Há um dia
4 comentários:
o último romântico do 175...
cuidado, moço, carência é o que não falta aqui debaixo do equador...
beijos,
Pois sim ana k, serei o elo perdido? o último da minha espécie? Não sei, só sei que...romance e chamego é bom...e eu gosto. ;)
Chá com torradas! Só um lord ofereceria chá com torradas! O lord do 175.
:-)
Haha Bel, isso porque você não me viu servindo chá com torradas. ;)
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