- Jamonero! - Gritou Raimundo, limpando um resto de barro da unha encravada enquanto engrunhava um pedaço de rapadura na boca sem dentes.
- Jamonero, me responda por obséquio mininiu, é seu tio Raimundo quem lhe fala – insistiu o velho.
- O que foi meu tio? - Respondeu o sobrinho aparecendo na porta do pau-a-pique arrastando as pernas, com os cabelos em pé parecendo uma cacatua e a cara amassada, o que revelava a noite bem dormida depois de tantas horas de vôo vindo da Europa.
- Jamonero, É verdadi o que Zefa está dizendo por aí?
- Não sei não meu tio, o que é que foi hein?
- Olhe seu cabra não besteie comigo não visse, que eu lhe ponho fino, me diga, me diga que num é verdadi?!
- Meu tio, mas eu não sei, eu não sei o que ela anda dizendo – Respondeu Jamonero ainda tonto de sono, capengando e quase enfiando a cabeça num pé de mandacaru robusto, desses que crescem sem timidez no agreste Pernambucano, onde, aliás, tudo e todos em princípio são machos.
- Que você, seu cabrunguento, está de namorico sério cuma galega lá nas Europa e tá falando em casar, é!
- Osshh meu tio, é isso é?
- Jamonero!! - Gritou Raimundo fulo de raiva: – Não me responda uma pergunta com outra pergunta seu amarelo liso!
Jamonero nessas alturas já sabia que não havia volta atrás, quando o velho se enfezava o melhor mesmo era respirar fundo e ser franco para não piorar a situação. De qualquer forma não havia surpresas, Jamonero conhecia bem o caráter forte e protetor de seu tio e sabia que este por mais rabugento que fosse só queria o seu bem.
- Mas meu tio, isso num é motivo pro senhor ficar assim, além do que, todo homem de bem tem que aquietar o facho um dia, constituir uma família e...
Mal terminou de tentar se explicar Jamonero sentiu o cabo do chicote do tio apertando sua goela.
- Seu abilolado, cabra desprecatado e inclaridado, eu não sei meu Deus, ai eu não sei a quem foi que tu puxasse, visse? Seu filho de rapariga! - Disse Raimundo, torcendo o cabo de marmelo no gogó do sobrinho que a essa altura quase já não tocava o chão.
- Mas, mas, mas meu tio – Gaguejou Jamonero quase engasgando e com os olhos cheios d’água: - Eu estou enrabichado por essa galega, ela é assim ó uma galega formosa, da pele peluciosa e tem dois olhos da cor do céu meu tio, que luze mais do que vaga lume no escuro.
- Arre égua de moleque destrambelhado, eu sabia que essa estória de te mandar estudar lá nas Europa ia te deixar de miolo mole, mas sua mãe sempre com essa mania de grandeza, que meu filho vai ser Senador, Doutor e não sei que trelelê mais...pelo menos num voltasse xibungo... Jamonero, oriente-se eu lhe peço, recomponha-se meu filho por tudo que é mais sagrado!
- Osshh meu tio, não entendo pra que toda essa queleléia, o senhor não quer a minha felicidade não é?
- Diabo de mininiu danadiu, bute sentido no que eu lhe estou dizendo bute, pelo amor de Deus Jamonero isso vai ser a sua desgraça meu filho, um caminho danisco que não tem mais volta, não se precipite eu lhe digo! Não se precipite!!
- Mas meu tio, essa galega é a mulher de minha vida, eu, eu estou apaixonado.
- Afff, danou-se meu Padinho Pai de Cisso, está desleriando - disse Raimundo, dando uma talagada generosa de cachaça, dessas que metem medo.
- Titio, eu não estava esperando, eu na verdade estava centrado em meus estudos e aí numa viagem de fim de semana eu a conheci passeando no parque com a sua mãe, Dona Sogroslavka.
- Mãe de quem? Mininiu, isso se bebe é? Pelamordedeus Jamonero, essa mulher não pode ser cristã com um nome desses, isso deve ter pacto com o tinhoso, sua mãe já sabe disso, sabe?
- É que ela é da Europa Oriental, os nomes por lá são diferentes... mas eles me tratam muito bem, a avó sempre me dá...humm...de beber...é...lá se bebe mais do que se come...
- Não tente me agradar seu desmiolado, mire-se eu lhe digo, mire-se no exemplo de seu tio, que já viu enterrar mais de cinco de minhas pretendentes embaixo daquele pé de girimum viçoso sem que me relassem a camisa. Jamonero tume tenência, você não sabe que a mão pesa? Eu não quero ver meu único sobrinho, o orgulho de minha vida, descadeirado, andando torto por essa vida, que essa vida por si só já é muito dura. – Disse Raimundo tomando uma dose dupla da branquinha e fazendo careta como quem vê uma assombração.
- Mas meu tio eu ia lhe contar, na verdade o senhor vai ser meu padrinho, diga que aceita, por favor, o senhor iria me dar uma grande alegria.
- Jamonero, pela última vez eu vou lhe dizer que não tem mulher nesse mundo que me faça virar a cabeça e isso devia estar no seu sangue! Eu vou lhe levar no consultório de meu compadre Ezequiel Ora-pro-nóbis para lhe revirar pelo avesso, isso que você pensa ser amor deve ser uma cardiopatia das graves e isso na sua idade pode ser fatal!
Nessas alturas Raimundo, já mais ébrio do que o estado habitual desse modesto narrador aqui, molhava novamente a palavra partindo para a segunda garrafa da famosa aguardente Teimosinha e se esconjurava para não ser atacado por esses sentimentos tão impróprios de um cabra macho, orgulhoso dos bons costumes e zeloso dos maus hábitos.
- Olhe meu filho, que Deus lhe abençoe, Deus é testemunha de que eu fiz de tudo para lhe trazer à razão, eu só posso lhe dar a minha benção e desejar sorte e que você seja feliz.
- Osshh meu tio, que alegria, que felicidade receber a sua benção! Fique tranqüilo que isso é tudo o que eu mais quero nesse mundo, inclusive eu tenho uma boa notícia para lhe dar. Pense numa coisa bem boa, pense!
- Ai meu Deus, o que é mininiu? Me dê um novo alento, dê uma notícia dessas porretas para alegrar esse seu velho tio.
- O casamento não tem jeito não, mas não vou deixar o senhor ficar a seco não, visse? Vão estar todas lá: Dobrovina, Gabrovskaya, Morávia e Stalinovka.
- Mas meu filho, eu já lhe disse que nenhuma mulher me faz virar a cabeça nem me derruba de minha lucidez, eu não quero entrar para a família da moça, não tente me corromper com um rabo de saia de nome irrepetível e desrespeitoso, seu sem-vergonha!
- Não se preocupe meu tio, eu estava falando é das vodkas que eu vou comprar para a ocasião em sua honra, vai ser uma bebeção das grandes!
- Eita porra, lascou-se! É Jamonero, enquanto uns casam você sabe... outros bebem.
Tradutor:
Engrunhar = mascar
Bestar = brincar, ficar à toa
Cabrunguento = pessoa ruim, astuciosa
Abilolado = maluco
Desprecatado = sem cuidado
Inclaridado = ignorante, sem as luzes do saber
Peluciosa = Que tem ou se assemelha à pelúcia
Xibungo = homem moça, invertido, miserável sodomita
Trelelê = coisa
Queleléia = algazarra
Butar sentido = entender (do verbo butar, eu buto, tu butas, ele buta...)
Danisco = danoso
Desleriando = delirando, aloucando
NESTE SÁBADO!
Há uma semana
5 comentários:
Guimarães Blue
A criatividade e o poder de síntese de BR são únicos. ;)
sim
Meu tio Raimundiu! Mai num é que o sinhô contô a história direitinho? Pois foi assim, visse? Desse jeitinho mermo. Esse meu tio nasceu pra ser artista, num sabe? Pois fico até abestchado.
Meu tio, espero puder receber a benção em pessoa pra modi dar sorte. Conte 10 lua cheia que eu chego em Cabrobó. Vá preparando o fígado com muita rapadura e mandacarú que temos o mundo todo pela frente. Com Dobroslava dupla e carne seca de lagartixa pra num fraquejá as perna!
Hahaha, Jamonero em pessoa...agora sim a estória faz sentido! Num se avexe não meniniu que o meu jegue é nadador e dos bons, vamos cruzar o Atlântico brevemente que, promessa, em conto e na vida real, é dívida. E esse momento eu não perco por nada nesse mundo.
Bjs. ;)
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