quinta-feira, 9 de abril de 2009

Discos, Torak, Guitarras e outras estórias


Hoje, lendo o artigo que traduzi abaixo, não pude deixar de me lembrar de um longínquo tempo onde dois garotos, um mais velho e outro mais novo, brincavam e eventualmente descobriam música juntos.
.
O mais velho já se achava o rei do pedaço e era obcecado por música, o mais novo parecia não ter muito interesse pelo tema mas escutava resignado ao discurso inflamado do outro e resistia às sucessivas sessões de discos estranhos, mais interessado que estava em brincar com o seu He-man.
.
O tempo passa e, contrariando as expectativas, o mais novo se torna um excelente guitarrista, além de um respeitável pai de família. O outro, bem, dizem que virou crítico musical, desatualizado mas ainda radical.
.
A amizade? Essa continua lá, e eles ainda são uma gangue, dessas coisas que a gente sabe que vai ser pra vida toda.

Esse artigo vai dedicado ao meu guitar hero preferido, e um pouco pra mim também, sabemos bem o que se sente (verdade?); e a tão bons momentos e lembranças ao longo da vida. De alguma forma, me sinto realizado quando aquela guitarra toca e sei que a próxima geração promete, a estória se repete...among friends, from father to son.


Billy Bragg - Artigo publicado na Q Magazine Inglesa

Existe alguma coisa com relação ao ato de se ter uma guitarra pendurada na altura da virilha que é atraente para meninos durante a adolescência. O garoto de 14 anos que morava na casa geminada ao lado me ensinou a tocar durante o verão de 1974 e a partir desse dia éramos uma gangue, encarando as águas agitadas da adolescência juntos, protegidos pelo nosso compromisso um com o outro e com a música que nós amávamos. Após recrutar um baterista, que vivia um pouco mais adiante na rua, nós três passávamos os anos esperando pelo surgimento do punk, tocando canções dos Stones, The Who e The Faces, na sala detrás da casa dos meus pais.

Meu pai apoiava nossos esforços, coisa surpreendente para ele. Nascido em meados da década de 1920, a sua própria adolescência tinha sido dominada pela guerra. Já em seus trinta quando Elvis apareceu, o rock'n'roll veio tarde demais para ele. Como resultado, ele não tinha interesse por música pop, nem entendimento de como ela poderia transportar seu filho, da rotina mundana de casa e exames para um mundo de fantasia onde eu e meus amigos éramos heróis com guitarras penduradas abaixo da linha da cintura.

Eu não posso deixar de simpatizar com a sua situação ao me deparar com meu próprio filho de 14 anos absorto em outro jogo de luta no seu Xbox 360. Claro, que não há nada que realmente me impeça de pegar o outro joystick e lutar ao seu lado, enquanto ele batalha um pacto que os impeça de ativar Halo, mas, para ser honesto, não é a minha. Quando o primeiro Nintendo Game Boy tornou-se disponível na Grã-Bretanha, eu já estava bem avançado nos meus trinta. Vejo esse gadget como um brinquedo, ao invés de um meio pelo qual escapar para um mundo de fantasia com seus amigos.

A chegada do Guitar Hero III desfocou esse entendimento. Aqui estava algo que o pai podia compreender, algo que ele poderia até dar o jeito de entender, se lhe fosse explicado lentamente. Na verdade, por um instante, o meu dedilhado me deu a vantagem até o garoto entender como eu fazia isso para em seguida arrancar, me deixando preso no modo iniciante, anunciando meu fracasso através de “Fora da Escola".

Então aconteceu algo milagroso. Enquanto eu estava longe em turnê, alguns dos seus amigos aficionados pelo Guitar Hero apareceram com as suas novas guitarras elétricas, querendo testá-las em um dos meus amplificadores. Era como se tivessem colocado um verdadeiro rifle do Corpo das Nações Unidas nas suas mãos e lhe enviado para a batalha contra as inundações. Ele rapidamente começou a se entusiasmar por tocar guitarra e, fundamental, isso lhe foi transmitido pelos seus pares, não por seus pais.

Durante as férias de Verão, sua forma de tocar foi ficando cada vez melhor. Eu mostrei para ele algumas posições fáceis e apresentei ele aos Ramones. Logo, ele e seus amigos estavam tocando "Blitzkrieg Bop" na garagem. Eles têm amplificadores pequenos para praticar e plugam o vocal através do meu velho Fender Twin, que prestou serviços excelentes no seu tempo, mas ultrapassava seus momentos de ostracismo como um obstáculo a ser negociado, enquanto eu descarregava a mercearia do carro.

Agora a sua música enche a casa. O que inicialmente soa como uma grande vespa zangada aprisionada em uma lata de biscoitos, se transforma nele praticando os acordes de "Another Girl, Another Planet" no quarto de cima. Às vezes, enquanto eu vou desligando as luzes e fechando as janelas como a última coisa da noite, escuto ele tocando uma melodia na sua guitarra elétrica desplugada. E, de alguma forma, ele parece ter crescido seis polegadas desde que pegou a maldita coisa.

Ele raramente liga a Xbox estes dias, ao invés disso, tem grande prazer em me mostrar o último riff que aprendeu. Depois que um de seus cúmplices lhe ensinou a tocar uma introdução rudimentar do Chuck Berry, passei algumas horas tocando guitarra base para ele, enquanto ele praticava a sua pegada Johnny B. Goode. E quando o grande homem em pessoa tocou num festival próximo, nós fomos juntos, pai e filho, de pé no meio da multidão, numa noite escura de sexta-feira prestar a nossa homenagem ao Chuck Berry, um filho de meados da década de 1920, exatamente como o meu pai.

Nenhum comentário:

 

View My Stats