Toca! Toca porra, toca! - gritava a voz dentro da sua cabeça na penumbra do quarto mal iluminado, os olhos vidrados no velho telefone vermelho que jazia impassível em cima do criado-mudo.
Sentado em um modesto colchão sobre o chão, ele esperava o soar daquele aparelho que por fim o livraria de vez daquele tormento.
Não é justo, não é justo! - pensava, cada vez que o ponteiro do relógio deslizava rumo a mais uma volta completa.
Porque não liga? Já são mais de nove horas...merda! Não vai ligar, eu sabia, não vai ligar!
A esperança se esvaía ali, entre o tic e o tac, naquele espaço de tempo minúsculo, onde medos e pensamentos sem nexo habitam; acabava entre um trago e outro de cigarro fumado às pressas, sem vontade, impregnando seus dedos longos e trêmulos de nicotina, no soco seco dado contra a parede na impossibilidade de controlar o imponderável.
Tentou dormir, sair, esquecer...em vão, enquanto a memória dos longos beijos trocados, das carícias, do seu sorriso e das suas muitas caras e bocas seguia tatuada na sua retina, num redemoinho de imagens que lhe tragava a alma, escurecia-lhe a visão, roubava-lhe o ar.
Já passava de meia-noite quando um ruído surdo ressoou pela área de serviço, depois nada mais se ouviu.
O encontraram quatro dias depois quando a peste já rolava solta pela escadaria do prédio, a família estranhou o permanente sinal de ocupado ao tentar ligar tantas vezes durante o fim de semana.
O corpo pendia da viga de madeira central como um móbile tétrico, que dominava a cena de um quarto praticamente vazio. Como únicas testemunhas nada mais um colchão, um relógio, um cinzeiro e um telefone, desconectado e mudo como o criado sobre o qual repousava.
Um mar de flores em memória
Há um dia
Um comentário:
Já que ninguém postou nada posto eu, para ler escutando Joy Division, Atmosphere em particular. Bonne soirée.
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