Eu sei, eu sei, eu disse que não faria mais certas coisas, é certo, mas ontem estava com vontade de sair, me divertir e dançar um pouco e, folheando o jornal, acreditei que a opção mais digna era ir ao DDK Vintage para uma noite de eletro, outras modernidades que ignoro e o bom e velho rock and roll.
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DDK Vintage, o nome por si só é prometedor - deve ter pensado o meu sub-consciente - na certa, entre ruídos de bate-estaca e outros sons industriais, serei recepcionado por uma Alemã de nome Frida, muito loura, muito lânguida, metida num corpete de couro negro muito apertado, de onde transbordarão seus seios fartos, comprimidos, verdadeira pista de pouso para aviadores intrépidos e que me conduzirá a um mundo de prazeres inimagináveis... ahhamm, perdoem-me caros leitores, rebobinemos por favor, ... o fato é que ontem estava mesmo sem sono e decidido a não me render às agruras da cidade grande, não sem ao menos tentar.
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Cheguei um pouco cedo e como ainda não tinha jantado achei que um açaí com um sanduba viria bem a calhar. A casa de sucos estava a tope, milhões de braços se esprimiam, bradando pedidos em uníssono, insistentes, mal-educados, uns sobre os outros. No olho do furacão, um atendente, possivelmente Nordestino, regia a balbúrdia com magnânima habilidade.
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- Sai um x-bacon de frango! - Dá uma graviola! - O Sr. quer pra agora ou pra viagem? Virando-se para os companheiros: - Por favor, se tiver sobrando algum talher limpo lembrem-se de mim. E para mim: - Só um minutinho que o seu sanduiche já vem, tá? E quando tudo parecia arrebentar, e qualquer ser humano normal no seu lugar proferiria as expressões mais chulas, eis que nosso atendente limita-se a exclamar, com um sorriso na cara: - Ai Jesus, me acenda uma luz!
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Não é sensacional? Nesse momento tive ganas de beijá-lo, saltar o balcão e dizer meia dúzia de disparates para ordenar aquela turba de deselegantes e ajudá-lo, não sem antes dar um esporro nos companheiros que ignoravam os seus apuros. Mas achei melhor não, porra, ninguém iria entender isso, nem ele. Além do mais, perigava o cara achar que eu era uma bichona enrustida carente metida num modelito negro suspeito e justo. Eu sei, preciso parar com esse negócio de usar roupa apertada mas é que recentemente eu voltei a malhar. É amigo, crise da meia idade deve ser fogo!
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Deixem-me explicar, quem já andou pela Europa sabe perfeitamente o quão difícil é encontrar um tratamento humano por parte de um garçom, ou um que seja minimamente atencioso e educado. Especialmente eu que, como sabem, passei os últimos anos na base do -Me cago en la leche, joder! - Que te deen! - Coño, hijo de la gran PI e outros versos tão inspirados, não posso me furtar a apreciação de um momento como esse.
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Temos muitos defeitos, sem dúvidas, mas que ninguém se levante para dizer que os nossos garçons não são um exemplo de dedicação no bem atender dos clientes, nos tratando com mimos, nos paparicando, isso quando não se adiantam ao nosso desejo como num passe de mágica, parecendo até ler o nosso pensamento . Em contrapartida, nós, como todo filho mimado, abusamos desse excesso de zelo e nos tornamos mesmo muito mal-educados.
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Enfim, tomado o açaí e já de pança cheia, retomei o meu curso para encontrar Frida, não sem antes olhá-lo com admiração. É isso aí garoto, resista, e nunca perca esse seu bom-humor. Sorte!
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Ao me aproximar do meu destino começei a escutar um bulício - Ah! São as engrenagens industriais do cenário pós-apocalíptico que rangem para me receber, sorri confiante. - Macacos me mordam, não! É o próprio apocalipse! Tive certeza, ao chegar mais perto e me deparar com uma fila de adolescentes ruidosos na porta da boate.
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Como já havia combatido a minha inércia e chegado até ali, respirei fundo e entrei, não sei porque, por uma outra porta e sem entrar na fila (Frida devia estar me observando do segundo andar, era o princípio do tratamento vip). A pista 1 estava abarrotada de adolescentes, dançando em transe ao som do eletro e eu aguentei exatos 10 minutos ali, que foi o tempo que demorei para conseguir chegar até o balcão e pedir o meu primeiro Gim Tônica.
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Subi até a pista 2, a boa, a do rock, e dei de cara com Theddy discotecando um set clássico e a pista vazia. Theddy eu conheço de vista faz tempo, não vou dizer quanto tempo porque isso é assunto meu, mas aquela estampa rockabilly e eu já dividimos espaço em mais de um espaço alternativo da noite do Rio. Aliás, nunca entendi porque Theddy e não Teddy, de Teddy Boy, Brasileiro, não satisfeito em achar um nome artístico que já tenha um Y e duas consoantes, idênticas e na sequência, resolve colocar um H. Talvez eu devesse procurar um numerólogo e atualizar o meu sobrenome, primeiro para ficar em sintonia com os meus pares Brasileiros e, segundo, para que o novo nome me renove a energia e abra os meus caminhos para alcançar a felicidade. Pronto, está decidido, de agora em diante serei...Cahyubby.
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O set estava muito bom mesmo, Cure, Peter Murphy, Siouxsie, putz, como dançei ao som de 'some girls are bigger than others' e de olhos fechados ao som do Depeche cantando I´m sorry, but I'm just thinking of the right words to say (I promise you), I know they don't sound the way I planned them to be (I promise you) but if you wait around the world, I'll make you fall for me (I promise you) I promise you, I promise you I will.
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Mas o ápice mesmo foi 'bring on the dancing horses', fiquei ali de olhos fechado e achei mesmo que o mundo poderia acabar naquele minuto...bring on the new messiah...faria todo o sentido. O que não faz sentido é o fato de que os cavalos na minha viagem entravam na pista de dança e eram cor-de-rosa com penachos na cabeça, vá entender...
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Onde está Frida? Porque se demora? Já tomei 3 Gim Tônicas e ainda não a vi, vou ao banheiro.
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Na porta um grupo de rapazolas (para usar uma expressão condizente com a minha idade cronológica) conversa alegremente quando são interrompidos por um outro que se aproxima, quase me derrubando de passo, e pergunta: - E aí, já pegaram quantas?
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Foi aí que aquela frase saiu sem querer - Ai Jesus, me acenda uma luz!!