a primeira vez que ouvi tal sandice eu estava, claro, em portugal, participando como convidado de um jantar de honra oferecido para poucos palestrantes internacionais de uma feira de eventos corporativos. eu não deveria estar ali, já que não era palestrante de coisa alguma, nem adido cultural ou consultor etílico da embratur para ensinar os irmãozinhos portugueses a preparar caipirinha. eu estava de penetra, meu chefe sim era palestrante e não queria ir sozinho ao tal jantar, um francês blasé que achava todo aquele protocolo muito chato e eu acabei me dando bem, e pude desfrutar de um sensacional arroz de pato e uns vinhos... ah, meu rapaz, que vinhos.
na verdade, o problema todo começou com o danado do vinho (é sempre assim, eu bem me conheço e não nego as minhas fraquezas).
ocorre que, lá pelas tantas, surgiu uma discussão tipicamente portuguesa e, portanto, melancólica e no diminutivo, sobre como portugal é um pais pobrezinho, pequenininho, sem gracinha e onde nada dá certo. no auge da discussão, houve então quem defendesse a absorção da lusitânia pela prima rica – hispanya. ai, jesus!
porra, uma das primeiras coisas que ouvi ao chegar de espanha nas minhas viagens de trabalho em portugal foi a curiosa expressão popular: - de espanha, nem bons ventos nem bons casamentos!
quando ouvi isso, prontamente lembrei ao meu interlocutor que eu era brasileiro, mesmo assim com muito medo de que o tiro saísse pela culatra, e agora me vem um nacional, letrado e culto, a propor tal coisa?
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não deu, acho que o sangue de meus antepassados ferveu em minhas veias, não me contive e como penetra metido a besta que sou, ergui-me e fiz uma ode que faria camões derramar-se em lágrimas de emoção, enaltecendo as virtudes e as delícias de modo de ser português, de como portugal o tem todo, de como era possível que um pais tão pequeno fosse tão formoso e tivesse regiões tão dispares e ricas em beleza, onde a logística podia ser feita de forma fácil, o povo era afetuoso, a comida um primor e finalmente...que ter orgulho do seu pais não deveria ser privilegio de nós brasileiros, tão ufanistas que somos enchendo a boca para falar das belezas da nossa terra a torto e a direito.
a mesa calou-se, todos me olhavam espantados, meu chefe então estava perplexo com a minha verve (digo, ousadia), enquanto eu discursava como se estivesse possesso, gesticulando e clamando às massas de cima de um palanque imaginário. ao final, os olhos de mais de um ficaram marejados, e, para minha surpresa, a anfitriã, uma senhora muito raffiné e chic a valer - como diria o Dâmaso - de tão emocionada me perguntou se eu não queria casar com ela (de brincadeira, claro). os convivas se entreolhavam, alguns meneavam a cabeça em tom de aprovação, outros ao final me deram tapinhas nas costas sorridentes e por um instante, achei mesmo que um novo movimento popular poderia estar se formando ali, naquele momento, e que sairíamos pelas ruas de mãos dadas a resgatar a honra lusa e a esmagar a prima rica. desde então essa discussão sobre a integração (na prática absorção) de portugal com a espanha me desagrada profundamente. me desagrada perceber a que ponto chega a baixa auto-estima de uma nação e o que é pior, de uma bela nação. antes de conviver com os portugueses eu não tinha absolutamente nenhuma opinião formada sobre o país. como bom brasileiro que sou, desconhecia em grande parte a sua história e não lhe dava muita bola. entretanto, gradativamente fui me apaixonando por esse curioso pais ao qual devemos mais do que imaginamos, por milhoes de detalhes que oportunamente lhes contarei. o discurso que fiz o fiz ébrio mas de forma sincera e acho um disparate considerar tal hipótese.
primeiro porque se essa união sair mesmo do papel, portugal perderá a sua identidade e graça, sem contar que desaparecerá entre as muitas regiões autonômicas espanholas. não é segredo que boa parte dos espanhóis os vê como uns pobres coitados e, volto a dizer, em que pese razões e diferenças históricas, parte da culpa toca aos portugueses que muitas vezes adotam uma postura de inferioridade sem ter porque fazê-lo. os espanhóis têm brio demais, os portugueses de menos.
a espanha já é um pais com muitas regiões distintas entre si e que cada vez mais olham para o seu próprio umbigo e desprezam o poder central de madri. costumo brincar que, no futuro, se deixarem as decisões políticas nas mãos de cada uma das regiões autonômicas, a espanha será apenas a província de madri, já que, aparentemente ninguém quer ser espanhol e sim catalão, basco, cântabro, andaluz, etc.
portugal tem qualidades inegáveis e, em muitos aspectos, dá um banho na vizinha espanha. no jantar acima mencionado eu cheguei mesmo a dizer: - o problema de vocês é só um, marketing.
incorporar portugal como mais uma região de espanha seria um absurdo. uma união com a galicia, região que possui inegáveis laços culturais e lingüísticos com portugal até se entenderia, mas com a espanha não. portugal merece mais, portugal pode e deve ter orgulho do pais que é. o que falta, e aí caros amigos, é um traço cultural que parece termos herdado, é meter a mão na massa e trabalhar com vontade para acelerar o crescimento, ser probo na administração e colocar o país nos trilhos do desenvolvimento, ao invés de ficar reclamando das dificuldades da vida na tasca da esquina sem nada fazer.
ontem, mais uma vez o assunto voltou à tona, vide o artigo abaixo publicado no globo online, vejam só como a coisa é atual:
a união política entre espanha e portugal divide portugueses, mas gera indiferença na espanha. entre os portugueses, 39,9% é a favor de uma integração com a espanha em uma federação, enquanto a maioria dos espanhóis mostram desinteresse em relação à proposta, segundo uma pesquisa da universidade de salamanca apresentada nesta terça-feira em madri. a criação de uma união ibérica é apoiada por 30,3% dos espanhóis, segundo o jornal "el país".
o barômetro de opinião hispano luso, dirigido pelo centro de análises sociais da universidade de salamanca, é o primeiro estudo conhecido sobre o que pensam os cidadãos de ambos os países em relação ao outro lado da fronteira. o fato de não existir uma pesquisa similar periódica torna difícil saber com precisão se a proposta de federação política ganha ou perde adeptos, apesar de existir uma pesquisa de 2006 realizada pelo semanário de lisboa el sol, que revela que 28% dos portugueses estaria disposto a "formar um só país com a espanha".
segundo a pesquisa publicada nesta segunda-feira, os portugueses colocam menos obstáculos ao aprendizado da língua do país vizinho nas suas escolas. cinco entre cada dez entrevistados considera que o ensino de espanhol deve ser obrigatória no ensino primário e secundário. o consenso é ainda maior em relação ao estudo de espanhol como língua optativa, reforma que encontra aprovação de 85,1% dos entrevistados. já a proposta do estudo obrigatório da língua portuguesa nas escolas espanholas foi rejeitada por 76,2% dos espanhóis entrevistados.
os portugueses também se mostram muito mais favoráveis a melhorar a cooperação política entre ambos os países. propostas de um sistema fiscal conjunto, por exemplo, ou o fim de todas as restrições à mobilidade e estabelecimento de profissionais, trabalhadores e empresas recebe o apoio de 59% e de 72%, respectivamente, enquanto que somente 37,1% e 63,2% dos espanhóis é favorável a estas reformas. uma iniciativa de alto valor simbólico como a apresentação de candidaturas conjuntas para eventos internacionais como campeonatos de futebol, olimpíadas e feiras, encontra o apoio de três em cada quatro portugueses. já entre os espanhóis, apenas um um em cada quatro.
a união política entre os dois países é um assunto polêmico, que aparece com recorrência no debate político português, mas do qual a maioria dos espanhóis permanece distante. o principal interesse de portugal é econômico, segundo uma pesquisa feita pelo jornal el sol, na qual 97% dos entrevistados respondeu que o país seria mais desenvolvido caso se unisse com a espanha.
a união hipotética da espanha com portugal resultaria no país de maior extensão da união europeia, o terceiro maior país da europa depois da rússia e da ucrânia, e o quinto o em população, com mais de 57 milhões de habitantes, atrás de alemanha, reino unido, frança e itália. a soma do produto interno bruto a preços atuais resultaria na quinta economia da união europeia.
cá entre nós torço para que isso não aconteça, torço para que meus amigos portugueses resistam e que se esforcem um pouco mais para colocar a casa em ordem sem rastejar para debaixo do tapete espanhol, uma opção que seria mais fácil mas que acabaria por solapar e traumatizar em definitivo a já combalida identidade lusitana, presa que parece estar nas brumas das glórias passadas.
clamo a
viriato para que, do alto do mais belo monte, reorganize os seus exercitos, renove o espirito das suas gentes e prepare a resistência.
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no pasarán, cabrones!
...digo...
chega pra lá, ô pá!